quinta-feira, 30 de junho de 2011

A verdade sobre os minerodutos: deu no "Hoje em Dia"

Hoje em Dia - Belo Horizonte - MG
1º Caderno - Página: 10
Publicado: 05-06-2011

Água de graça transformada em lama

BRUNO PORTO

A expansão dos minerodutos - tubos que transportam minério de ferro até o local de beneficiamento – em Minas Gerais vai levar o Estado a “exportar” água transformada em lama em quantidade equivalente a 30,4% do consumo residencial, industrial e comercial de Belo Horizonte, que tem 2,3 milhões de habitantes, conforme o último Censo. O volume de água demandado por estes sistemas de transporte é suficiente também para abastecer com folga Contagem, um dos maiores polos industriais do Estado, com 603 mil habitantes, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A previsão é que Minas Gerais contará com cinco minerodutos. Hoje, são três em operação, um em construção e outro em licenciamento. Juntas, as tubulações de transporte de minério vão consumir 5,612 milhões de metros cúbicos de água por mês. Em Contagem, segundo a Copasa, o consumo de água totaliza mensalmente cerca de 4,069 milhões de metros cúbicos, conforme o último dado disponível. Em Belo Horizonte, a demanda é de 18,403 milhões de metros cúbicos.

Atualmente, a Samarco Mineração tem dois minerodutos em operação, com 398 quilômetros de extensão, ligando Mariana a Anchieta, no Espírito Santo. A Vale opera um duto de pequeno porte, de 13 quilômetros, em Mariana. A empresa possui outros minerodutos, porém de extensão inferior a 10 quilômetros com uso menor de água. A Anglo American está construindo o mineroduto Minas-Rio, que será o maior do mundo, e a Ferrous Resource está em processo de licenciamento ambiental para iniciar as obras do duto. A Ferrous pretende ainda construir um segundo duto, e a Samarco, um terceiro. Juntos, estes empreendimentos poderão captar, sem pagar nada, 7.795 metros cúbicos de água por hora em rios mineiros, o que resulta em 5,612 milhões de metros cúbicos em um mês.

O ambientalista e professor da UFMG Apolo Heringer considera que, no mínimo, as mineradoras deveriam pagar pelo uso da água, um bem natural nobre e que já escasseia em várias regiões do planeta. “As mineradoras fazem a captação da água para uma atividade altamente lucrativa, levam o recurso hídrico de Minas Gerais e não pagam nenhuma compensação pelo uso. Taxar a água é um começo, mas o lobby da mineração é muito forte”, diz.

A captação de água nos rios é regulamentada por órgãos ambientais estaduais e federais, dependendo da bacia hidrográfica. A outorga funciona como uma autorização para retirar determinada quantidade de água de um rio, dentro do limite estabelecido pelas leis ambientais, para a utilização na atividade industrial. O uso de água na mineração é intensivo. Além da utilização nos minerodutos, praticamente todo o processo produtivo ocorre com uso de água. Com o aumento da produção de minério de ferro, o consumo de água também aumenta. A preferência das empresas pelos minerodutos ocorre em função de diversas vantagens. Além da água gratuita e em abundância, os equipamentos trabalham 24 horas por dia, sete dias por semana. Com o mineroduto, a empresa também fica livre de investimentos em ferrovias – outra opção para o transporte do minério – e de utilizar a deficiente malha rodoviária.

Dada a fragilidade logística do país, o transporte via mineroduto aparece como opção mais competitiva. O especialista em recursos hídricos Mário Cicareli, que presta consultoria para as mineradoras, avalia que o mineroduto gera ganhos em vários aspectos. “Existe a vantagem no transporte, porque a empresa fica independente de rodovias e não precisará investir em ferrovias, o que é muito caro”, diz. Para ele, os ganhos ambientais também são representativos. “Imagine um mineroduto com capacidade de 30 milhões de toneladas. Se fosse transportar o minério por rodovia, cada caminhão conseguiria transportar 30 toneladas. Além de outras coisas, ainda tira muito caminhão da estrada, reduzindo a poluição”, observa Cicareli. Para ele, o volume de água utilizado é baixo quando comparado, por exemplo, com a demanda da agricultura.

Os grifos em verde, ausentes na publicação original, foram feitos pelo blog. O texto está reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade do veículo.

Deu no jornal "Lampião"

Publicado no Lampião, Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFOP (n. 1, junho de 2011)

domingo, 26 de junho de 2011

A quem de fato pertence o nosso chão?

Cruzados com os recursos do Google Earth, os dados da página do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) mostram que o município de Mariana está entrecortado por inúmeras requisições de pesquisa mineral (áreas delimitadas por linhas em verde), autorizações de pesquisa (áreas delimitadas em azul) e concessões efetivas de lavra (áreas delimitadas em vermelho). As marcas em marrom indicam "disponibilidade". Na parte de cima da foto, está a Mina del Rey; à esquerda o Gogô; e abaixo as Vilas Maquiné, Del Rey, Bairro São Cristóvão e Bairro Jardim Inconfidentes. Clique na foto para ampliar

Ao desaproximarmos a imagem, pode-se ver a assustadora colcha de retalhos em que a mineração pode vir a transformar toda a região de Ouro Preto (à esquerda) e Mariana (à direita). Somente a sociedade civil organizada pode impedir que a indústria da mineração continue a operar nas proximidades e mesmo no interior das áreas urbanas, dilapidando nossa paisagem cultural e arruinando a saúde da população! Clique na foto para ampliar

Afastando ainda mais a perspectiva é que nos damos conta do verdadeiro festival de requisições/concessões de pesquisa e concessões de lavra nesta região de Minas (Rio Acima está no canto superior esquerdo, Itabirito à esquerda e Mariana no canto inferior direito). Não é à toa que há páginas na internet em que o estudo do direito minerário é apontado como "carreira do futuro". Só se for para a indústria da mineração e seus asseclas. Clique na foto para ampliar

Deu no "Diário do Comércio"

Ex-prefeito Roque Camêllo contra a reativação da Mina del Rey

Em defesa de Mariana*

Marianenses e amigos de Mariana.
Neste momento de grandes incertezas e aflições, vejo-me no dever de externar a todos os marianenses, a todos os residentes no município de Mariana e a todos que se preocupam com os destinos do povo e da primeira capital de Minas esta mensagem que se dirige também aos empresários da mineração e em especial à Companhia Vale.
De um lado, é a palavra de alguém que teve sob sua responsabilidade a condução deste município e, de outro, de quem preside a Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, instituição que, há 50 anos, vem lutando pelo desenvolvimento de Mariana e pela preservação do seu patrimônio cultural, histórico, artístico, e paisagístico. A história é testemunha de nossa luta pela implantação da CEMIG nos anos 60 e pela construção da estrada de contorno, nos anos 80, quando da expasão das empresas mineradoras, o que se deu para que o tráfego de imensas carretas não destruísse as tricentenárias ruas, praças, casarios e monumentos da cidade que é tombada e declarada Patrimônio Nacional.
Os séculos 18 e 19 arrancaram do solo marianense toneladas de ouro que enriqueceram outros países, quase nada aqui deixando a não ser uma certa lembrança artística do barroco. No entanto, nenhum desenvolvimento propriamente dito que redundassem permanente qualidade de vida para nosso povo.
A partir dos anos 70, do século passado, inaugura-se um novo momento na economia do município. É a retomada da atividade mineradora, não mais do ouro, mas de minério de ferro. Vive-se uma realidade transformadora cujos efeitos precisam ser analisados, medidos equacionados para que o progresso econômico não se transforme em desastre ambiental, social, diretamente prejudicial ao povo e ao patrimônio cultura.
Não se trata de ser adversário do desenvolvimento, mas de se ter a consciência do equilíbrio entre este, sua razão de ser e seus objetivos.
O que não se quer é que se repita a ação negativa e simplesmente depredadora dos séculos 18 e 19. A presença das Empresas na comunidade será sempre bem vinda desde que seus objetivos visem e respeitem o bem comum. A VALE, a SAMARCO e outra a SAMITRI trouxeram, sem dúvida, benefícios à economia local, expandindo o comércio, serviços, mercado imobiliário, além de outras atividades. Colaboraram com o Hospital Monsenhor Horta e outras ações sociais, educacionais e culturais. Reconhecemos isto. Por outro lado, em função dessa presença empresarial, deu-se um crescimento desordenado da malha urbana, contrário ao planejamento concebido pelo engenheiro Alpoim no Século 18. A responsabilidade por esse descompasso pode ser debitada às administrações municipais de então, infelizmente despreparadas, mas sem se isentar as empresas como hoje se deve fazer porque a atividade econômica há de ter compromisso social.
Àquela época, as mineradoras se instalaram a muitos quilômetros dos centros urbanos. Embora sendo uma atividade apenas extrativa que deixa pouco resultado tributário (é o caso da baixa remuneração da CEFEM, ou seja uma pequena compensação), sua localização distante causa menos prejuízo à saúde do povo.
Hoje, vivemos um momento gravíssimo. Logo mais, haverá, no Centro de Convenções de Mariana, uma audiência pública com a presença de autoridades estaduais para debater sobre a pretendida reativação da Mina Del Rey. Sua retomada, na atualidade, exige novas considerações uma vez que se encontra no perímetro urbano. Adjacentes a ela, há bairros habitados, inclusive uma escola da APAE. Se reativada a Mina Del Rey, serão incalculáveis os prejuízos para a saúde do povo, um desastre ambiental e uma transformação agressiva do entorno de Mariana, extinguindo-se diversas nascentes de água. Até o patrimônio cultural da Cidade Monumento Nacional será afetado.
Inquestionavelmente, o mundo não vive mais sem o minério de ferro. Tornou-se o ouro do século 21. Nem por isso poderá ser causa de irreparáveis riscos de vida para a população. O território brasileiro é imenso e o de Mariana também. A todo instante, são publicadas pesquisas dando conta da descoberta de minério em diversas regiões. Portanto, não falta lugar para a atividade mineradora. O que não se concebe é a pretensão de se reativar a Mina Del Rey em pleno espaço urbano.
Não nos esqueçamos de que o Morro do Gogô se transformou em ruínas, onde moraram, trabalharam e morreram mais de 20.000 escravos. Em homenagem a eles e à história econômica da mineração, esta área foi tombada como sítio arqueológico e paisagístico, e, como tal, já inscrito no Ministério da Cultura pelas minhas próprias mãos.
No meu plano de governo, previa-se um teleférico unindo Mariana ao Morro do Gogô. O escritor marianense Fernando Morais, entusiasta desta realização como instrumento fundamental para fomentar o turismo e as pesquisas arqueológicas nacionais e estrangeiras, tinha feito os primeiros contatos com financiadores do projeto. Desejávamos fazer de Mariana um grande pólo cultural, pois o “minério só dá uma safra”. Já por volta de 1923, o poeta português Fernando Pessoa escrevia que a cultura é a maior fonte de desenvolvimento econômico de um país.
Numa hora dessas não podemos esquecer o historiador Waldemar de Moura Santos que, após ler uma crônica de certo turista carioca, publicada há algumas décadas, qualificando Mariana de cidade fantasma, respondeu com outra intitulada “Turista de Bengala Branca”.Estaríamos nossos empresários tão cegos que precisariam de bengala branca, não percebendo a existência do povo e desprezando a História? Eu gostaria de não acreditar nisto.
Assim, fica o meu apelo, primeiro aos próprios empresários da mineração segundo às autoridades locais, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e ao IPHAN, para que assumam um papel crítico e resoluto em defesa do povo e de tantos valores inalienáveis. Será uma atitude patriótica. E nós, cidadãos marianenses, amigos de Mariana, unâmo-nos numa luta santa em prol de nosso município e desta primaz como um lugar digno de seu povo e sacrário da História de Minas.
Obrigado.
Roque Camêllo
*Texto lido por Roque Camêllo na Rádio Itatiaia de Belo Horizonte e Ouro Preto, no dia 21.06.2011.