Quanto Vale a cidade dos nossos sonhos?
Giulle da Mata
A cidade dos nossos sonhos é aquela que nos ajuda na defesa de tudo que é importante para nós. Mais que o lugar onde nascemos, é o lugar que escolhemos para viver. Ao fundarmos nossa vida nesse lugar, esperamos que ele responda aos nossos desejos de segurança, repouso e permanência. Mais que lugar de mera sobrevivência, de luta e obrigações, esperamos que essa cidade sustente nossas experiências afetivas, promova nossa integração, nos auxilie na realização de nossos sonhos.
Infelizmente, o que se ouve e se vê em todos os lugares nos leva a crer que as pessoas não andam satisfeitas com Mariana. Nós, seus moradores, temos sido obrigados ao longo dos anos a testemunhar, todos os dias, a lenta agonia dessa cidade.
Seguindo um mero instinto de defesa, nos agarramos em qualquer coisa que possa nos oferecer alguma sensação de bem-viver. Mas a cidade parece ter atingido seus limites: o comportamento se torna anti-social no trânsito, entre vizinhos, nas filas dos bancos, nas instituições públicas, na padaria, no posto, no supermercado. No final, é este espírito irritadiço, agressivo e predatório que passa a dominar a cidade e os que nela vivem. E quando este é o espírito que predomina, é chegada a hora de refletir. E também de agir.
A possibilidade de conquista de qualidade de vida, a cada dia que passa, parece tornar-se um sonho distante em Mariana. Sobretudo agora, ante a notícia preocupante de que a Vale pretende reativar a mina Del Rey, uma mina que fica praticamente dentro da cidade. O “comunicado” chega quando a população local mal consegue digerir mais uma pelotização da Samarco. Empreitadas desse tipo multiplicam problemas urbanos por todos os lados que afetam de forma dramática a vida das pessoas que comprometeram suas vidas com esse lugar. A verdade é que a mineradoras têm, ao longo de décadas, optado abertamente pelo caminho mais fácil e mais barato para elas: sobrecarregam a estrutura urbana pouca de Mariana em vez de bancarem, elas mesmas o problema da moradia para seus funcionários. Isso é que é “responsabilidade social”!
O argumento de sempre é que a cidade “ganha” com isso. Até que ponto? O adensamento populacional atingiu níveis extremamente elevados nos últimos anos. A cidade simplesmente não tem como atender tanta gente. A isso se segue uma cadeia de conseqüências, conhecida de todo aquele que aqui vive: verticalização das edificações e hiper-parcelamento do solo, total ausência de conforto espacial, desenfreada especulação imobiliária, problemas crônicos no beneficiamento e distribuição de água, saturação do tráfego de veículos e pessoas, sobrecarga do transporte urbano, insuficiência do setor de prestação de serviços, níveis crescentes de violência.
Não bastasse tudo isso, a reativação da mina Del Rey certamente significará um enorme impacto ambiental e de vizinhança. Basta lembrar o exemplo de Itabira, cidade que outrora aceitou curvar-se aos interesses da Vale: poluição sonora, do ar, da água, visual, com direito a todos os danos à saúde daí decorrentes (sobretudo no que se refere às doenças respiratórias).
Somos moradores de uma cidade tricentenária, que ainda guarda em seu centro um conjunto arquitetônico de rara beleza, nacional e internacionalmente reconhecido. Que poderá acontecer caso a Vale leve adiante seus planos? Defronte a Catedral, o visitante terá uma vista privilegiada não mais de suas montanhas, mas da desconfiguração definitiva de sua paisagem - embarcada, a peso de ouro, para o outro lado do mundo. Com os chineses ficará o minério, e conosco uma imensa cratera em sua irretocável feiúra. Ao patrimônio histórico e cultural de uma cidade não pertence também a sua paisagem? É de se esperar do IPHAN uma manifestação e uma avaliação séria a respeito dos efeitos da reativação da mina Del Rey sobre a paisagem cultural de Mariana.
Os marqueteiros da Vale vendem para a sociedade a ideia de que “não há futuro sem mineração”. Mas se trouxermos à mente o exemplo de Itabira, e o que ela se tornou nas últimas décadas, esta frase das propagandas soa na verdade como uma espécie de ameaça – a ameaça de um futuro sombrio. Neste caso, a população de Mariana tem o direito e o dever de escolher um outro futuro para si.