A Vale, Sebastião Salgado e manifestação contra a AcelorMittal na África do Sul em 2008 |
Dentre
as estratégias recorrentes de "mitigação" mantidas pelas
grandes empresas mineradoras para evitar a corrosão definitiva de
sua imagem, está a subvenção a iniciativas com alta taxa de
retorno midiático e "cultural". Depois de eleita a Pior
Empresa do Mundo em 2012 pelo Public Eye Award, a Vale
resolveu "adotar" o Instituto Inhotim. Trata-se de uma
alternativa muito mais barata do que redefinir sua escala de produção
(que continuou nas nuvens) ou adotar políticas ambientais guiadas
pelos princípios de responsabilidade sócio-ambiental. Ao mesmo
tempo em que sua filial Samarco iniciava um ambicioso plano de
ampliação da capacidade das já gigantescas barragens do Germano e
do Fundão, com os resultados que agora amargamos, a Vale retirava em
maio deste ano seu apoio à manutenção do espaço
cultural da Estação Ferroviária de Mariana.
Como
se pode ver, a "responsabilidade" das grandes empresas do
setor se compõe basicamente de peças de marketing e de iniciativas
"ambientais" de alcance pífio ou mesmo duvidoso. Torna-se
estratégico para elas associar a sua imagem a alguma figura ou
instituição "acima de qualquer suspeita" e de ampla
aceitação. Também aqui, é claro, o que conta é a lógica do
custo-benefício. E para isso a marca Sebastião Salgado se mostra
perfeita.
De Salgado já se disse que sua arte não passa de uma
espetacularização da miséria. Deixemos a questão aos críticos, e
voltemos os olhos para o homem político. Mundialmente famoso,
respeitado. Dias depois da tragédia de Mariana, ele reaparece e pede compreensão dos que querem
a punição da Samarco. Chega a prometer um milagre: o Rio Doce pode
ser ressuscitado. Como prova, apresenta o projeto-piloto desenvolvido
na sua Fazenda Bulcão, em Aimorés, sua amada terra natal.
É revelador que a tragédia de Mariana e
do Rio Doce rapidamente tenha colocado a figura de Salgado sob os
holofotes da grande mídia. O Instituto Terra, presidido por sua
esposa, Lélia Wanick, e de que ele é o vice-presidente, teria demonstrado o poder miraculoso do
reflorestamento e proteção de nascentes. Se isso bastaria para
desenterrar Bento Rodrigues e absorver 62 milhões de toneladas de
rejeito e lama despejados no Rio Doce, só o bom Deus sabe.
A
força midiática e política de Salgado ficaram ainda mais evidentes
na sexta-feira passada, quando o fotógrafo tomou parte numa seletíssima reunião
com os governadores Fernando Pimentel (PT) e Paulo Hartung (PMDB). Salgado se manifestou contra a ideia de multar exemplarmente as
mineradoras pelo maior desastre ambiental da história de Minas e do
Brasil. O melhor seria criar um grande fundo de reparação, a ser
gerido de forma autônoma pelos governos de Minas Gerais e do
Espírito Santo. Os dois governadores, que sabidamente mantêm excelentes relações com o setor minerário-siderúrgico, certamente apreciaram sua companhia.
Mas ao
receber polpudas doações de mineradoras como a Vale, Samarco e CSN,
assim como da AcelorMittal, o Instituto Terra de Sebastião Salgado ultrapassou em muito a linha vermelha da ética organizacional e ambiental.
Print screen do balanço de 2012/2013 do Instituto Terra. Depois do BNDES, a Vale-Samarco foi a segunda maior "parceira" da ONG de Sebastião Salgado. Disponível no site http://www.institutoterra.org |
Foto: G1, 18/01/2015 |
Fonte: Gazeta Online, 8/10/2015 |
A
foto abaixo, publicada em julho deste ano pelo Século Diário,
mostra em que se transformou a capital do Espírito Santo. A "CPI do Pó Preto" da
Câmara de Vereadores de Vitória estimou que as oito usinas da
Vale e as três da AcelorMittal na cidade lançam 38.000 toneladas de
poluentes por mês na atmosfera.
Fonte: Século Diário, 23/07/2015 |
Calcula-se
que somente em Vitória sejam gastos 565 milhões de reais por ano
com as consequências das doenças causadas pela poluição dos
parceiros de Sebastião Salgado no Instituto Terra.
O
"engajamento" de Salgado em favor do meio
ambiente, caso fosse autêntico e desinteressado, não andaria de
braços dados com empresas diretamente responsáveis pelas tragédias
ambientais de Vitória e de Mariana. Empresas que transformaram em
latrina o ar dos capixabas, em cemitério Bento Rodrigues e em veio morto o Rio Doce. Os 608,69
hectares reflorestados de sua fazenda não passam de um grão de areia nesse mar de
destruição. Salgado sabe
muito bem disso.
O
grande fotógrafo revela assim os seus pés de barro. O que nos faz
pensar se não estariam de fato com a razão os seus críticos.
Aqueles para os quais sua carreira se construiu à custa de uma
esteticização do sofrimento humano, mais que de um compromisso com
o ser humano.