Em defesa de Mariana*
Marianenses e amigos de Mariana.
Neste momento de grandes incertezas e aflições, vejo-me no dever de externar a todos os marianenses, a todos os residentes no município de Mariana e a todos que se preocupam com os destinos do povo e da primeira capital de Minas esta mensagem que se dirige também aos empresários da mineração e em especial à Companhia Vale.
De um lado, é a palavra de alguém que teve sob sua responsabilidade a condução deste município e, de outro, de quem preside a Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, instituição que, há 50 anos, vem lutando pelo desenvolvimento de Mariana e pela preservação do seu patrimônio cultural, histórico, artístico, e paisagístico. A história é testemunha de nossa luta pela implantação da CEMIG nos anos 60 e pela construção da estrada de contorno, nos anos 80, quando da expasão das empresas mineradoras, o que se deu para que o tráfego de imensas carretas não destruísse as tricentenárias ruas, praças, casarios e monumentos da cidade que é tombada e declarada Patrimônio Nacional.
Os séculos 18 e 19 arrancaram do solo marianense toneladas de ouro que enriqueceram outros países, quase nada aqui deixando a não ser uma certa lembrança artística do barroco. No entanto, nenhum desenvolvimento propriamente dito que redundassem permanente qualidade de vida para nosso povo.
A partir dos anos 70, do século passado, inaugura-se um novo momento na economia do município. É a retomada da atividade mineradora, não mais do ouro, mas de minério de ferro. Vive-se uma realidade transformadora cujos efeitos precisam ser analisados, medidos equacionados para que o progresso econômico não se transforme em desastre ambiental, social, diretamente prejudicial ao povo e ao patrimônio cultura.
Não se trata de ser adversário do desenvolvimento, mas de se ter a consciência do equilíbrio entre este, sua razão de ser e seus objetivos.
O que não se quer é que se repita a ação negativa e simplesmente depredadora dos séculos 18 e 19. A presença das Empresas na comunidade será sempre bem vinda desde que seus objetivos visem e respeitem o bem comum. A VALE, a SAMARCO e outra a SAMITRI trouxeram, sem dúvida, benefícios à economia local, expandindo o comércio, serviços, mercado imobiliário, além de outras atividades. Colaboraram com o Hospital Monsenhor Horta e outras ações sociais, educacionais e culturais. Reconhecemos isto. Por outro lado, em função dessa presença empresarial, deu-se um crescimento desordenado da malha urbana, contrário ao planejamento concebido pelo engenheiro Alpoim no Século 18. A responsabilidade por esse descompasso pode ser debitada às administrações municipais de então, infelizmente despreparadas, mas sem se isentar as empresas como hoje se deve fazer porque a atividade econômica há de ter compromisso social.
Àquela época, as mineradoras se instalaram a muitos quilômetros dos centros urbanos. Embora sendo uma atividade apenas extrativa que deixa pouco resultado tributário (é o caso da baixa remuneração da CEFEM, ou seja uma pequena compensação), sua localização distante causa menos prejuízo à saúde do povo.
Hoje, vivemos um momento gravíssimo. Logo mais, haverá, no Centro de Convenções de Mariana, uma audiência pública com a presença de autoridades estaduais para debater sobre a pretendida reativação da Mina Del Rey. Sua retomada, na atualidade, exige novas considerações uma vez que se encontra no perímetro urbano. Adjacentes a ela, há bairros habitados, inclusive uma escola da APAE. Se reativada a Mina Del Rey, serão incalculáveis os prejuízos para a saúde do povo, um desastre ambiental e uma transformação agressiva do entorno de Mariana, extinguindo-se diversas nascentes de água. Até o patrimônio cultural da Cidade Monumento Nacional será afetado.
Inquestionavelmente, o mundo não vive mais sem o minério de ferro. Tornou-se o ouro do século 21. Nem por isso poderá ser causa de irreparáveis riscos de vida para a população. O território brasileiro é imenso e o de Mariana também. A todo instante, são publicadas pesquisas dando conta da descoberta de minério em diversas regiões. Portanto, não falta lugar para a atividade mineradora. O que não se concebe é a pretensão de se reativar a Mina Del Rey em pleno espaço urbano.
Não nos esqueçamos de que o Morro do Gogô se transformou em ruínas, onde moraram, trabalharam e morreram mais de 20.000 escravos. Em homenagem a eles e à história econômica da mineração, esta área foi tombada como sítio arqueológico e paisagístico, e, como tal, já inscrito no Ministério da Cultura pelas minhas próprias mãos.
No meu plano de governo, previa-se um teleférico unindo Mariana ao Morro do Gogô. O escritor marianense Fernando Morais, entusiasta desta realização como instrumento fundamental para fomentar o turismo e as pesquisas arqueológicas nacionais e estrangeiras, tinha feito os primeiros contatos com financiadores do projeto. Desejávamos fazer de Mariana um grande pólo cultural, pois o “minério só dá uma safra”. Já por volta de 1923, o poeta português Fernando Pessoa escrevia que a cultura é a maior fonte de desenvolvimento econômico de um país.
Numa hora dessas não podemos esquecer o historiador Waldemar de Moura Santos que, após ler uma crônica de certo turista carioca, publicada há algumas décadas, qualificando Mariana de cidade fantasma, respondeu com outra intitulada “Turista de Bengala Branca”.Estaríamos nossos empresários tão cegos que precisariam de bengala branca, não percebendo a existência do povo e desprezando a História? Eu gostaria de não acreditar nisto.
Assim, fica o meu apelo, primeiro aos próprios empresários da mineração segundo às autoridades locais, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e ao IPHAN, para que assumam um papel crítico e resoluto em defesa do povo e de tantos valores inalienáveis. Será uma atitude patriótica. E nós, cidadãos marianenses, amigos de Mariana, unâmo-nos numa luta santa em prol de nosso município e desta primaz como um lugar digno de seu povo e sacrário da História de Minas.
Obrigado.
Roque Camêllo
*Texto lido por Roque Camêllo na Rádio Itatiaia de Belo Horizonte e Ouro Preto, no dia 21.06.2011.
De um lado, é a palavra de alguém que teve sob sua responsabilidade a condução deste município e, de outro, de quem preside a Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, instituição que, há 50 anos, vem lutando pelo desenvolvimento de Mariana e pela preservação do seu patrimônio cultural, histórico, artístico, e paisagístico. A história é testemunha de nossa luta pela implantação da CEMIG nos anos 60 e pela construção da estrada de contorno, nos anos 80, quando da expasão das empresas mineradoras, o que se deu para que o tráfego de imensas carretas não destruísse as tricentenárias ruas, praças, casarios e monumentos da cidade que é tombada e declarada Patrimônio Nacional.
Os séculos 18 e 19 arrancaram do solo marianense toneladas de ouro que enriqueceram outros países, quase nada aqui deixando a não ser uma certa lembrança artística do barroco. No entanto, nenhum desenvolvimento propriamente dito que redundassem permanente qualidade de vida para nosso povo.
A partir dos anos 70, do século passado, inaugura-se um novo momento na economia do município. É a retomada da atividade mineradora, não mais do ouro, mas de minério de ferro. Vive-se uma realidade transformadora cujos efeitos precisam ser analisados, medidos equacionados para que o progresso econômico não se transforme em desastre ambiental, social, diretamente prejudicial ao povo e ao patrimônio cultura.
Não se trata de ser adversário do desenvolvimento, mas de se ter a consciência do equilíbrio entre este, sua razão de ser e seus objetivos.
O que não se quer é que se repita a ação negativa e simplesmente depredadora dos séculos 18 e 19. A presença das Empresas na comunidade será sempre bem vinda desde que seus objetivos visem e respeitem o bem comum. A VALE, a SAMARCO e outra a SAMITRI trouxeram, sem dúvida, benefícios à economia local, expandindo o comércio, serviços, mercado imobiliário, além de outras atividades. Colaboraram com o Hospital Monsenhor Horta e outras ações sociais, educacionais e culturais. Reconhecemos isto. Por outro lado, em função dessa presença empresarial, deu-se um crescimento desordenado da malha urbana, contrário ao planejamento concebido pelo engenheiro Alpoim no Século 18. A responsabilidade por esse descompasso pode ser debitada às administrações municipais de então, infelizmente despreparadas, mas sem se isentar as empresas como hoje se deve fazer porque a atividade econômica há de ter compromisso social.
Àquela época, as mineradoras se instalaram a muitos quilômetros dos centros urbanos. Embora sendo uma atividade apenas extrativa que deixa pouco resultado tributário (é o caso da baixa remuneração da CEFEM, ou seja uma pequena compensação), sua localização distante causa menos prejuízo à saúde do povo.
Hoje, vivemos um momento gravíssimo. Logo mais, haverá, no Centro de Convenções de Mariana, uma audiência pública com a presença de autoridades estaduais para debater sobre a pretendida reativação da Mina Del Rey. Sua retomada, na atualidade, exige novas considerações uma vez que se encontra no perímetro urbano. Adjacentes a ela, há bairros habitados, inclusive uma escola da APAE. Se reativada a Mina Del Rey, serão incalculáveis os prejuízos para a saúde do povo, um desastre ambiental e uma transformação agressiva do entorno de Mariana, extinguindo-se diversas nascentes de água. Até o patrimônio cultural da Cidade Monumento Nacional será afetado.
Inquestionavelmente, o mundo não vive mais sem o minério de ferro. Tornou-se o ouro do século 21. Nem por isso poderá ser causa de irreparáveis riscos de vida para a população. O território brasileiro é imenso e o de Mariana também. A todo instante, são publicadas pesquisas dando conta da descoberta de minério em diversas regiões. Portanto, não falta lugar para a atividade mineradora. O que não se concebe é a pretensão de se reativar a Mina Del Rey em pleno espaço urbano.
Não nos esqueçamos de que o Morro do Gogô se transformou em ruínas, onde moraram, trabalharam e morreram mais de 20.000 escravos. Em homenagem a eles e à história econômica da mineração, esta área foi tombada como sítio arqueológico e paisagístico, e, como tal, já inscrito no Ministério da Cultura pelas minhas próprias mãos.
No meu plano de governo, previa-se um teleférico unindo Mariana ao Morro do Gogô. O escritor marianense Fernando Morais, entusiasta desta realização como instrumento fundamental para fomentar o turismo e as pesquisas arqueológicas nacionais e estrangeiras, tinha feito os primeiros contatos com financiadores do projeto. Desejávamos fazer de Mariana um grande pólo cultural, pois o “minério só dá uma safra”. Já por volta de 1923, o poeta português Fernando Pessoa escrevia que a cultura é a maior fonte de desenvolvimento econômico de um país.
Numa hora dessas não podemos esquecer o historiador Waldemar de Moura Santos que, após ler uma crônica de certo turista carioca, publicada há algumas décadas, qualificando Mariana de cidade fantasma, respondeu com outra intitulada “Turista de Bengala Branca”.Estaríamos nossos empresários tão cegos que precisariam de bengala branca, não percebendo a existência do povo e desprezando a História? Eu gostaria de não acreditar nisto.
Assim, fica o meu apelo, primeiro aos próprios empresários da mineração segundo às autoridades locais, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e ao IPHAN, para que assumam um papel crítico e resoluto em defesa do povo e de tantos valores inalienáveis. Será uma atitude patriótica. E nós, cidadãos marianenses, amigos de Mariana, unâmo-nos numa luta santa em prol de nosso município e desta primaz como um lugar digno de seu povo e sacrário da História de Minas.
Obrigado.
Roque Camêllo
*Texto lido por Roque Camêllo na Rádio Itatiaia de Belo Horizonte e Ouro Preto, no dia 21.06.2011.
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