sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ministério público aponta a "somatória de ineficiências" nas causas da tragédia de Mariana

Complexo de barragens do Germano em 2000. No outdoor da empresa lêem-se as inacreditáveis palavras: "Daqui a água sai tratada. Fica o respeito pelo meio ambiente"

Depois de quase um mês avaliando informações e documentos sobre a maior tragédia ambiental do Brasil, que devastou 80% do Vale do Rio Doce e vitimou 13 pessoas, sendo que oito continuam desaparecidas, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público de Minas Gerais disse ontem “que a mineradora Samarco fez uma série de reparos na Barragem de Fundão, comparados a remendos, que não eram informados aos órgãos de defesa ambiental e que às vezes sequer tinham projetos, mas que tornaram comprometidas as condições de segurança da estrutura”.

Embora ainda não esteja concluído o laudo técnico que vai apontar a causa da tragédia de 5 de novembro – previsto inicialmente para ser entregue em 30 dias – o mais provável, segundo o coordenador do Nucam-MG, é que o desastre não tenha causa única. “Um rompimento não acontece por acaso e por uma só ação. Existe uma estrutura com uma potencialidade grande, que tem de ter necessariamente um controle proporcional de monitoramento, inspeção e fiscalização. Esse é o ponto fundamental a se abordar. As causas acabam ficando em segundo plano”, afirmou.
Para o coordenador, que administra a força-tarefa formada por promotores e especialistas desde o dia seguinte à tragédia em Mariana, trata-se de uma “somatória de ineficiências”:

Tem-se um licenciamento ambiental frágil, em que não se analisam nem se avaliam os impactos ambientais na proporção necessária, a ausência de estudos relevantes por parte do empreendedor, a ausência de monitoramento adequado, de inspeções e de fiscalizações por parte do poder público. Então, há uma somatória de ineficiências de um sistema que leva à operação de um empreendimento sem o necessário acompanhamento rigoroso por parte do poder público”.

Entre as intercorrências, fatos e incidentes que ocorreram na barragem, Carlos Eduardo Ferreira Pinto cita como intervenções uma galeria que teria se rompido e um afloramento de água (surgência) em determinado ponto da estrutura, que exigiram a tomada de medidas de emergência pela mineradora. As alterações na estrutura feitas no projeto inicial da Barragem de Fundão (esse sim licenciado e aprovado na construção, há 10 anos, e renovado em 2013, com voto de abstenção do MP mineiro no Copam) nem sempre passaram pelo crivo dos diversos órgãos ambientais. “Deixa-se de investir em segurança e monitoramento e contratam-se várias empresas terceirizadas para fazer o serviço, sendo que elas não conversam entre si. O mais grave é que se cumpre o monitoramento dos órgãos ambientais de maneira muito formal”, disse Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

Fotos: acervo Mariana Viva

O promotor liga o computador e vasculha pilhas de documentos, em busca de dados que demonstrem o que diz. “Um exemplo clássico disso é o monitoramento prestado junto à Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente), que é preenchido on-line. Veja bem: a empresa preenche na internet uma declaração das condições de estabilidade da sua represa”. Segundo o promotor, a Feam só teve acesso ao relatório de inspeção regular integral 13 dias depois do acidente.

O autor da ação civil pública lembra ainda que a responsabilidade sobre a produção do documento da auditoria interna das barragens nas empresas, em geral por falta de condições técnicas dos órgãos ambientais, é entregue às próprias empresas, obrigadas a manter a Feam informada, de acordo com a Lei de Segurança das Barragens. De fato, o laudo da auditoria a cargo da empresa Vogbr confirma as condições de estabilidade da barragem, mas recomenda que “a Samarco deverá alterar a Carta de Risco desta estrutura, pois os alteamentos (elevações) são constantes, numa taxa de 20 a 25 metros por ano”.

Na comparação com a inspeção feita no ano anterior, o documento sugere dar continuidade ao “monitoramento e inspeções periódicas na barragem e manter a poda da vegetação nos taludes jusantes”. Novas medidas devem ser colocadas em prática, como “realizar ensaios para avaliar a permeabilidade dos materiais”, “construir ou restaurar canaletas” e “retirar o acúmulo de água no pé do barramento”. Meses antes, a Feam havia sido informada apenas de um resumo dessas condições do relatório integral de Fundão.

O promotor resume as impressões do trabalho de investigação: “Imagine uma estrutura muito pesada, cheia de remendos, sem a necessária autorização dos órgãos ambientais, em que se altera o projeto executivo. Isso forma uma série de conjunturas que comprometem a operação de segurança”, afirmou.


Sandra Kiefer (Estado de Minas, 04/12/2015)

Um comentário:

  1. Esse Promotor é ó-te-mo! Não promoveu o Inquérito Civil Público em 2013 pedindo a suspensão ou paralisação das atividades de Fundão e o MP ainda se absteve de votar em 2013 - ao invés de votar contra com base no claro risco de rompimento apontado pelo relatório do Instituto Prístino -, dá uma entrevista ao Bom Dia Brasil em que MENTE, dizendo que o MP só pode agir se for provocado, para justificar a não proposição do ICP e da ACP posterior, complementando que teria que propor impossíveis 753 ações, o que mais uma vez é uma inverdade!!! DEVERIA propor contra esta barragem! Só propuseram ação para mitigação dos danos ambientais, um pedido infinitamente inferior ao necessário pedido de suspensão ou paralisação das atividades na barragem e que, se fosse proposto, causaria tamanho frisson na imprensa e sociedade civil, que IMPEDIRIA o desastre que ora nos assola de acontecer!

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