segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Sebastião Salgado e o Instituto Terra, ou: os pés de barro de um certo ambientalismo



A Vale, Sebastião Salgado e manifestação contra a AcelorMittal na África do Sul em 2008

Dentre as estratégias recorrentes de "mitigação" mantidas pelas grandes empresas mineradoras para evitar a corrosão definitiva de sua imagem, está a subvenção a iniciativas com alta taxa de retorno midiático e "cultural". Depois de eleita a Pior Empresa do Mundo em 2012 pelo Public Eye Award, a Vale resolveu "adotar" o Instituto Inhotim. Trata-se de uma alternativa muito mais barata do que redefinir sua escala de produção (que continuou nas nuvens) ou adotar políticas ambientais guiadas pelos princípios de responsabilidade sócio-ambiental. Ao mesmo tempo em que sua filial Samarco iniciava um ambicioso plano de ampliação da capacidade das já gigantescas barragens do Germano e do Fundão, com os resultados que agora amargamos, a Vale retirava em maio deste ano seu apoio à manutenção do espaço cultural da Estação Ferroviária de Mariana.


Como se pode ver, a "responsabilidade" das grandes empresas do setor se compõe basicamente de peças de marketing e de iniciativas "ambientais" de alcance pífio ou mesmo duvidoso. Torna-se estratégico para elas associar a sua imagem a alguma figura ou instituição "acima de qualquer suspeita" e de ampla aceitação. Também aqui, é claro, o que conta é a lógica do custo-benefício. E para isso a marca Sebastião Salgado se mostra perfeita.

De Salgado já se disse que sua arte não passa de uma espetacularização da miséria. Deixemos a questão aos críticos, e voltemos os olhos para o homem político. Mundialmente famoso, respeitado. Dias depois da tragédia de Mariana, ele reaparece e pede compreensão dos que querem a punição da Samarco. Chega a prometer um milagre: o Rio Doce pode ser ressuscitado. Como prova, apresenta o projeto-piloto desenvolvido na sua Fazenda Bulcão, em Aimorés, sua amada terra natal.

É revelador que a tragédia de Mariana e do Rio Doce rapidamente tenha colocado a figura de Salgado sob os holofotes da grande mídia. O Instituto Terra, presidido por sua esposa, Lélia Wanick, e de que ele é o vice-presidente, teria demonstrado o poder miraculoso do reflorestamento e proteção de nascentes. Se isso bastaria para desenterrar Bento Rodrigues e absorver 62 milhões de toneladas de rejeito e lama despejados no Rio Doce, só o bom Deus sabe.


A força midiática e política de Salgado ficaram ainda mais evidentes na sexta-feira passada, quando o fotógrafo tomou parte numa seletíssima reunião com os governadores Fernando Pimentel (PT) e Paulo Hartung (PMDB). Salgado se manifestou contra a ideia de multar exemplarmente as mineradoras pelo maior desastre ambiental da história de Minas e do Brasil. O melhor seria criar um grande fundo de reparação, a ser gerido de forma autônoma pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os dois governadores, que sabidamente mantêm excelentes relações com o setor minerário-siderúrgico, certamente apreciaram sua companhia.

Mas ao receber polpudas doações de mineradoras como a Vale, Samarco e CSN, assim como da AcelorMittal, o Instituto Terra de Sebastião Salgado ultrapassou em muito a linha vermelha da ética organizacional e ambiental.

Jefferson de Paula (CEO da AcelorMittal), Lélia Wanick, Sebastião Salgado e Benjamin Batista Filho (presidente da AcelorMittal do Brasil), durante assinatura de convênio entre a empresa e o Instituto Terra em março de 2015
A página do Instituto Terra revela que na sua diretoria tomam assento nada menos que quatro pessoas diretamente ligadas a empresas do setor de mineração-siderurgia: José Armando de Figueiredo Campos (presidente do conselho de administração da AcelorMittal), Robson de Almeida Melo e Silva (gerente corporativo da AcelorMittal), Paulo Henrique Wanick Mattos (presidente do fundo de pensão da AcelorMittal e parente de Lélia Wanick, esposa de Salgado) e Henrique Lobo Gonçalves (gerente de relações institucionais da Vale).

Print screen do balanço de 2012/2013 do Instituto Terra. Depois do BNDES, a Vale-Samarco foi a segunda maior "parceira" da ONG de Sebastião Salgado. Disponível no site http://www.institutoterra.org
A AcelorMittal, tão abundantemente representada na ONG de Salgado, é mais conhecida no Espírito Santo que em Minas Gerais. Tendo doado recentemente 6 milhões e 800 mil reais em insumos ao Instituto Terra, esta multinacional é apontada como uma das maiores responsáveis pelos níveis alarmantes de poluição quem têm assolado Vitória nos últimos tempos.
 
Foto: G1, 18/01/2015
 
Fonte: Gazeta Online, 8/10/2015

A foto abaixo, publicada em julho deste ano pelo Século Diário, mostra em que se transformou a capital do Espírito Santo. A "CPI do Pó Preto" da Câmara de Vereadores de Vitória estimou que as oito usinas da Vale e as três da AcelorMittal na cidade lançam 38.000 toneladas de poluentes por mês na atmosfera.
 
Fonte: Século Diário, 23/07/2015

Calcula-se que somente em Vitória sejam gastos 565 milhões de reais por ano com as consequências das doenças causadas pela poluição dos parceiros de Sebastião Salgado no Instituto Terra.


O "engajamento" de Salgado em favor do meio ambiente, caso fosse autêntico e desinteressado, não andaria de braços dados com empresas diretamente responsáveis pelas tragédias ambientais de Vitória e de Mariana. Empresas que transformaram em latrina o ar dos capixabas, em cemitério Bento Rodrigues e em veio morto o Rio Doce. Os 608,69 hectares reflorestados de sua fazenda não passam de um grão de areia nesse mar de destruição. Salgado sabe muito bem disso.


O grande fotógrafo revela assim os seus pés de barro. O que nos faz pensar se não estariam de fato com a razão os seus críticos. Aqueles para os quais sua carreira se construiu à custa de uma esteticização do sofrimento humano, mais que de um compromisso com o ser humano.

Todos contra o PL 2946/2015