sábado, 5 de novembro de 2016

Um ano da tragégia de Bento Rodrigues: ainda à espera de justiça

foto: Douglas Magno

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.


(trecho do poema "No caminho, com Maiakóvski", de Bertolt Brecht)



quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Governo do Estado e Samarco decidem sepultar Bento de vez




A obra tida como essencial pela Samarco para evitar carreamento de rejeitos de mineração da Barragem do Fundão e outros problemas no período chuvoso teve aval de órgãos ambientais e foi autorizada pelo governo de Minas Gerais. Decreto publicado ontem no diário oficial do estado, o Minas Gerais, dá permissão para o início da construção do Dique S4, que alagará parte de Bento Rodrigues, distrito de Mariana destruído pela lama que vazou da barragem quando ela se rompeu em 5 de novembro, causando 19 mortes e poluindo rios.

Como o Estado de Minas mostrou na edição de 16 de setembro, a autorização, chamada de requisição administrativa, dependia de um laudo técnico da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). O estudo foi entregue e subsidiou o projeto de construção do dique, alvo de longo impasse entre as mineradoras donas da Barragem do Fundão e os ministérios públicos de Minas Gerais (MPMG) e Federal (MPF).

No decreto, o governo determina “a requisição administrativa para a implantação do Dique S4, no terreno situado no município de Mariana, conforme descrição perimétrica”. Cita que a requisição do terreno “é necessária à efetivação de medidas urgentes para a construção e implantação do Dique S4”. “A Samarco Mineração S/A fica autorizada a promover todas as medidas necessárias à construção e implantação emergencial do Dique S4 no terreno descrito”, completa o documento.

O texto ressalta que as obras serão custeadas e efetuadas com recursos e pessoal próprios da empresa. Além disso, informa que os “proprietários das áreas deverão viabilizar a entrada da equipe técnica da Samarco Mineração S/A e dos agentes públicos estaduais no terreno”.

O decreto também determina que as empresas Samarco, Vale e BHP Billinton terão que se  responsabilizar  pelo custeio das indenizações e pelo ressarcimento ao estado de “todo e qualquer custo decorrente da requisição administrativa”, conforme termo de ajustamento de c onduta (TAC) celebrado em 20 de setembro de 2016. O decreto já está valendo desde ontem.

O TAC citado no decreto foi assinado pela Samarco, as suas controladoras – Vale e a BHP Billiton Brasil –, o Estado de Minas Gerais, o Instituto Estadual de Florestas, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas e a Fundação Estadual do Meio Ambiente, com a chancela da Advocacia-Geral do Estado.

A Samarco afirmou que a decisão de fazer a obra em Bento Rodrigues foi tomada “após uma ampla e profunda discussão e análises técnicas”. “Outros locais foram descartados sobretudo pelo caráter emergencial da obra e pela proximidade do período chuvoso. A construção em outra área exigiria um prazo maior de construção”, informou a empresa por meio de nota.

Segundo a Samarco, o S4 integra o sistema emergencial de retenção de sedimentos composto pelos diques S1, S2 e S3, além das barragens Eixo 1 de Fundão e Nova Santarém. Ele será feito por um alteamento com pedras  construído em recuo já existente, um pouco abaixo de Bento Rodrigues, e ampliará a chamada área de clareação dos rejeitos. Isso evitará, na avaliação da mineradora, que a poluição volte a atingir o Rio Gualaxo e, consequentemente, o Rio Doce.

O dique S4 será o segundo maior do complexo e terá capacidade de 1,05 milhão de metros cúbicos. Fica atrás apenas do S3, que tem capacidade de 2,1 milhões de metros cúbicos. O S1 e o S2 têm 15 mil e 45 mil metros cúbicos, respectivamente.

Com a construção do dique S4, parte da área impactada de Bento Rodrigues será alagada. A empresa garante que vai fazer obras que evitem danos no muro colonial que ainda existe no local e que foi até motivo para os moradores criarem um abaixo-assinado contra as obras no distrito. “O muro de pedras existente no distrito também será preservado por uma cobertura. A ruína da Capela São Bento e o Cemitério não serão alagados”, afirmou a Samarco.
Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) informaram, por meio da assessoria de imprensa, que ainda estudam a construção do Dique S4 em Bento Rodrigues e que não vão comentar a decisão enquanto os trabalhos não forem concluídos.

O Ministério Público de Minas Gerais afirmou ter dúvidas sobre a eficácia do dique. “O MP não é contrário a nenhuma medida que traga segurança para a sociedade. Porém, esse sistema da Samarco é de incertezas”, disse o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (NUCAM). Segundo ele, o MPMG vai analisar “com muito cuidado e serenidade a autorização para verificar se alguma medida será tomada”.

(Estado de Minas, 22/09/2016)

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Conceição do Mato Dentro pede socorro: a verdadeira face da sócia da Vale



A mineradora australiana Anglo American fala em dialogar com comunidades, mas na verdade age para criminalizar atingidos em Conceição do Mato Dentro/MG.

Diante das recentes ações da Anglo American contra as comunidades atingidas por suas operações, as instituições abaixo assinadas denunciam: é preciso cortar e vencer o estado de impunidade, a violência rotineira e a humilhação a que são submetidos cidadãos que agem de forma pacífica, mas determinada, para frear a injustiça e as táticas de criminalização usadas para calar a manifestação da indignação coletiva.

No último dia 08 de agosto, os atingidos pelo Projeto Minas-Rio, em protesto, fecharam a rodovia MG-10 na altura de Conceição do Mato Dentro, reivindicando o reassentamento de comunidades que se encontram em situação de risco e precariedade, devido à proximidade das instalações da empresa. Além do temor pela possibilidade de rompimento da barragem de rejeitos, localizada acima de suas residências, os moradores das comunidades no entorno do empreendimento sofrem constantemente com a falta de água, o excesso de poeira, tremores e mau cheiro, degradação dos cursos d’agua, fatos que escancaram a urgência de seu reassentamento.

Em nota à imprensa, a Anglo American afirmou que "mantém diálogo aberto com a comunidade", com foco em "trabalhar para uma convivência cada vez mais harmônica entre a empresa e a população vizinha à sua operação". Porém, as práticas da empresa em relação aos atingidos mostram o extremo oposto do que a empresa afirma.

No último dia 08 de agosto, prepostos da Anglo American e policiais civis, enviados para intimidar a manifestação das comunidades injustiçadas, foram os mesmos de sempre: parte do grupo denominado RCC (Relação com a Comunidade). Isto é, os que, desde 2007, utilizam expedientes para constranger, vigiar, ludibriar e violar direitos de moradores locais. É o caso de agentes a serviço da mineradora, que, fazendo-se passar por representantes do Estado, valem-se da boa fé de pessoas simples, para adentrar suas propriedades para medir  a vazão de água de suas bicas, quando a recíproca é inimaginável. Os mesmos que, recentemente, se fizeram acompanhar por oficiais de cartório e pressionaram pessoas das comunidades rurais a assinarem autorizações para intervenções em suas propriedades, sob o argumento de que, caso os documentos não fossem assinados, a “suposta” ordem judicial faria valer o poder da Polícia para impor a finalidade pretendida.

A falácia do “diálogo” evidencia-se diante da ação desproporcional da força policial contra os atingidos e das várias denuncias já realizadas pela comunidade sobre interferências no comando de policiamento e da segurança privada local, por policiais reformados - atualmente empregados na mineradora. Prova incontestável da nível de diálogo praticado pela Anglo American é o ajuizamento, por advogados da empresa, de ação de interdito proibitório contra três membros das comunidades em julho de 2015.

Sob o argumento da posse de uma fazenda da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, vir ser molestada, a mineradora requereu que a Justiça concedesse liminar com fixação de multa contra líderes comunitários. E, mesmo diante da negativa da liminar sob o fundamento de inexistência de ameaça séria à posse da mineradora, sobretudo porque a manifestação popular havia sido realizada na rodovia MG-10, o pedido foi renovado no último dia 08 de agosto em razão de nova manifestação realizada no mesmo local pela comunidade – esta sim molestada pela arrogância cotidiana da Anglo American.

O interdito proibitório com o pedido de obrigação de “não fazer” tem sido prática recorrente das empresas mineradoras que pretendem criminalizar e marginalizar aqueles que lutam por vida digna, ameaçados pelo secamento de suas nascentes, pela precarização das condições de vida em função das atividades da mineradora e pelo risco gerado por barragens de rejeitos, como a da Anglo American, situada a distância entre 1 a 8 km de suas residências.

Além disso, vale ressaltar que essa forma de atuação da empresa é uma violação do direito fundamental dos cidadãos à livre manifestação e liberdade de reunião, garantido pela Constituição de 1988, no seu art. 5°, inciso IV. Tal direito não se materializa senão sob a forma de protestos que possibilitem a exposição de seus argumentos, reivindicações e insurgência contra a violação de direitos fundamentais – para chamar a atenção de opinião pública e das autoridades.

A Justiça há que prevalecer.

Outros exemplos de perseguição, assédio e violência da Anglo American, foram vivenciadas por acadêmicos e jornalistas, como o episódio de uma reportagem da Rádio CBN, relatado no VIII Encontro Nacional de História da Mídia, em 2010. De acordo com o relato, uma equipe da CBN, com base em denúncias dos atingidos sobre as violações de direitos, realizava reportagem em Conceição do Mato Dentro, ocasião em que foi perseguida “por carros da mineradora nas estradas vicinais do município”. A reportagem foi divulgada em rede nacional, apesar das ameaças dos agentes de segurança da Anglo American, de processarem a equipe jornalística.

Os movimentos e organizações sociais abaixo assinados vêm solidarizar-se com as comunidades impactadas pelo Projeto Minas-Rio, denunciar a pressão das empresas de mineração sobre a Justiça brasileira, e manifestar sua confiança nos princípios constitucionais ora ameaçados. A impunidade e irresponsabilidade da mineradora Anglo American não podem prevalecer sobre o legítimo direito das populações atingidas defenderem vida digna, meio ambiente equilibrado e segurança para suas famílias.


REAJA - Rede de Articulação e Justiça dos Atingidos pelo Projeto Minas-Rio
ABRACE a Serra da Moeda
ADDAF – Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros
AFES- Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade
ANAÍ- Associação Nacional de Ação Indigenista
Brigadas Populares
FONASC- Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias HIdrográficas;
GEDMMA/UFMA- Grupo de Estudos Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão
GESTA – Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais;
Igreja & Mineração – Brasil
Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
Justiça Global
MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração
Mandato Coletivo Flavio Serafini - deputado estadual RJ
Movimento de Defesa da Serra do Rola Moça Sempre Viva
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
MovSAM- Movimento pelas Serras e Águas de Minas
NISA/UNIMONTES – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental
PoEMAS- Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade da UFJF
SINFRAJUPE - Serviço Interfranciscano de Justica, Paz e Ecologia –
SOS - Serra da Piedade;
UNICON- Unidos por Conceição

segunda-feira, 18 de julho de 2016

MANIFESTO EM DEFESA DE BENTO RODRIGUES - CONTRA OS ASSASSINOS DA MEMÓRIA



O rompimento da barragem do Fundão, no dia 5 de novembro de 2015, em
Mariana-MG, acarretou em um passivo ambiental e social de drásticas
proporções ao longo da bacia do Rio Doce, causando a morte de 19
pessoas, fauna e flora, além da destruição dos distritos de Bento
Rodrigues e Paracatu de Baixo.

Reconhecemos a importância de que os rejeitos que ainda permanecem
em Fundão sejam contidos para evitar o carreamento para o Córrego
Gualaxo. No entanto, acreditamos que outras soluções de engenharia
podem ser usadas sem prejuízo à comunidade de Bento Rodrigues,
diferentemente da construção do dique S4. Solicitamos assim que a
empresa nos apresente outras alternativas de engenharia que não
venham a agravar ainda mais os danos já sofridos por essa população.

Este abaixo–assinado defende que a comunidade de Bento Rodrigues tem o
direito à preservação da sua memória. Exigimos da mineradora
Samarco apresentações de outras soluções técnicas alternativas
para a contenção do rejeito que segue em direção ao Rio Gualaxo,
que OBRIGATORIAMENTE não envolva o alagamento do distrito de Bento
Rodrigues – MG.

Entendemos que é extremamente importante preservar a memória e a identidade cultural das comunidades atingidas. Também não podemos esquecer que Bento Rodrigues é uma comunidade setecentista de importância
incalculável dentro da história da cidade de Mariana, Minas Gerais.
E que a construção do dique S4, destrói qualquer possibilidade de
preservação da memória.

Ainda, reconhecemos como medidas urgentes para a reabilitação das áreas
atingidas, a remoção da lama depositada sobre este território, o
resgate dos pertences dos moradores que se mantêm na localidade, e a
total remoção da vegetação que a empresa vem cultivando nas áreas
particulares sem qualquer autorização dos proprietários.

Por fim, destacamos que essa área ainda é propriedade dessa população
atingida e reforçamos mais uma vez a solicitação pelo acesso digno
ao seu território conforme já determinado ao Município de Mariana,
Samarco Mineração S/A, Vale S/A, BHP Billiton Brasil LTDA.
Reforçamos que desejamos um processo transparente e respeitoso por parte da empresa, através da realização de medidas participativas de
inclusão de todos os atingidos.


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quinta-feira, 3 de março de 2016

A quem interessa este acordo entre as mineradoras e os governos Federal e Estadual?



Em nota, o Ministério Público questiona o acordo extrajudicial que foi assinado em Brasília, entre  a União, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e a Samarco, Vale e BHP Billiton, empresas responsáveis pelo rompimento da barragem de Mariana no dia 5 de novembro de 2015. O MP entende que o acordo prioriza a proteção do patrimônio das empresas  em detrimento da proteção das populações afetadas e do meio ambiente. Leia a íntegra da nota:

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-Tarefa que investiga o desastre socioambiental causado pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, juntamente com os Ministérios Públicos dos Estados de Minas Gerais (MP/MG) e Espírito Santo (MP/ES), questiona o acordo extrajudicial que foi assinado em Brasília/DF, entre  a União, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e a Samarco, Vale e BHP Billiton, empresas responsáveis pelo rompimento da barragem no dia 5 de novembro de 2015, por entender que o acordo prioriza a proteção do patrimônio das empresas  em detrimento da proteção das populações afetadas e do meio ambiente.
A Força-Tarefa considera a legislação socioambiental brasileira avançada e afirma que o acordo, nos moldes como foi desenhado, além de não garantir a reparação integral do dano, não segue critério técnico. Também não observou os diretos à informação e de participação das populações atingidas e, com relação aos povos e comunidades tradicionais, o direito à consulta prévia, livre e informada.
Para o Ministério Público, o Termo de Ajustamento e de Transação celebrado entre o poder público e as empresas Samarco, Vale e BHP não tutela de forma integral, adequada e suficiente os direitos coletivos afetados, diante da ausência de participação efetiva dos atingidos nas negociações e da limitação de aportes de recursos por parte das empresas para a adoção de medidas reparatórias e compensatórias. Além disso, concedeu-se injustificadamente tratamento beneficiado à Vale e à BHP Billiton, vulnerando a garantia de responsabilização solidária.
A FT destaca também que o acordo desconsidera a garantia de responsabilidade solidária do próprio poder público para a reparação do dano, não tendo sido nem sequer estabelecidos mecanismos jurídicos capazes de garantir a efetividade do cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas, o que transformou o ajustamento em algo próximo de uma carta de intenções.
A Força-Tarefa esclarece, ainda, que a assinatura do acordo não extingue as demais ações judiciais movidas pelo MPF em Minas Gerais e no Espírito Santo.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ministério público aponta a "somatória de ineficiências" nas causas da tragédia de Mariana

Complexo de barragens do Germano em 2000. No outdoor da empresa lêem-se as inacreditáveis palavras: "Daqui a água sai tratada. Fica o respeito pelo meio ambiente"

Depois de quase um mês avaliando informações e documentos sobre a maior tragédia ambiental do Brasil, que devastou 80% do Vale do Rio Doce e vitimou 13 pessoas, sendo que oito continuam desaparecidas, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público de Minas Gerais disse ontem “que a mineradora Samarco fez uma série de reparos na Barragem de Fundão, comparados a remendos, que não eram informados aos órgãos de defesa ambiental e que às vezes sequer tinham projetos, mas que tornaram comprometidas as condições de segurança da estrutura”.

Embora ainda não esteja concluído o laudo técnico que vai apontar a causa da tragédia de 5 de novembro – previsto inicialmente para ser entregue em 30 dias – o mais provável, segundo o coordenador do Nucam-MG, é que o desastre não tenha causa única. “Um rompimento não acontece por acaso e por uma só ação. Existe uma estrutura com uma potencialidade grande, que tem de ter necessariamente um controle proporcional de monitoramento, inspeção e fiscalização. Esse é o ponto fundamental a se abordar. As causas acabam ficando em segundo plano”, afirmou.
Para o coordenador, que administra a força-tarefa formada por promotores e especialistas desde o dia seguinte à tragédia em Mariana, trata-se de uma “somatória de ineficiências”:

Tem-se um licenciamento ambiental frágil, em que não se analisam nem se avaliam os impactos ambientais na proporção necessária, a ausência de estudos relevantes por parte do empreendedor, a ausência de monitoramento adequado, de inspeções e de fiscalizações por parte do poder público. Então, há uma somatória de ineficiências de um sistema que leva à operação de um empreendimento sem o necessário acompanhamento rigoroso por parte do poder público”.

Entre as intercorrências, fatos e incidentes que ocorreram na barragem, Carlos Eduardo Ferreira Pinto cita como intervenções uma galeria que teria se rompido e um afloramento de água (surgência) em determinado ponto da estrutura, que exigiram a tomada de medidas de emergência pela mineradora. As alterações na estrutura feitas no projeto inicial da Barragem de Fundão (esse sim licenciado e aprovado na construção, há 10 anos, e renovado em 2013, com voto de abstenção do MP mineiro no Copam) nem sempre passaram pelo crivo dos diversos órgãos ambientais. “Deixa-se de investir em segurança e monitoramento e contratam-se várias empresas terceirizadas para fazer o serviço, sendo que elas não conversam entre si. O mais grave é que se cumpre o monitoramento dos órgãos ambientais de maneira muito formal”, disse Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

Fotos: acervo Mariana Viva

O promotor liga o computador e vasculha pilhas de documentos, em busca de dados que demonstrem o que diz. “Um exemplo clássico disso é o monitoramento prestado junto à Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente), que é preenchido on-line. Veja bem: a empresa preenche na internet uma declaração das condições de estabilidade da sua represa”. Segundo o promotor, a Feam só teve acesso ao relatório de inspeção regular integral 13 dias depois do acidente.

O autor da ação civil pública lembra ainda que a responsabilidade sobre a produção do documento da auditoria interna das barragens nas empresas, em geral por falta de condições técnicas dos órgãos ambientais, é entregue às próprias empresas, obrigadas a manter a Feam informada, de acordo com a Lei de Segurança das Barragens. De fato, o laudo da auditoria a cargo da empresa Vogbr confirma as condições de estabilidade da barragem, mas recomenda que “a Samarco deverá alterar a Carta de Risco desta estrutura, pois os alteamentos (elevações) são constantes, numa taxa de 20 a 25 metros por ano”.

Na comparação com a inspeção feita no ano anterior, o documento sugere dar continuidade ao “monitoramento e inspeções periódicas na barragem e manter a poda da vegetação nos taludes jusantes”. Novas medidas devem ser colocadas em prática, como “realizar ensaios para avaliar a permeabilidade dos materiais”, “construir ou restaurar canaletas” e “retirar o acúmulo de água no pé do barramento”. Meses antes, a Feam havia sido informada apenas de um resumo dessas condições do relatório integral de Fundão.

O promotor resume as impressões do trabalho de investigação: “Imagine uma estrutura muito pesada, cheia de remendos, sem a necessária autorização dos órgãos ambientais, em que se altera o projeto executivo. Isso forma uma série de conjunturas que comprometem a operação de segurança”, afirmou.


Sandra Kiefer (Estado de Minas, 04/12/2015)